23.7.09

Quilombolas e alguns sonhos!

Estava eu passeando pela globo.com (isso já faz algum tempo) para saber o que acontece no Brasil, quando me deparei com uma reportagem que me fez lembrar dos quilombos de Alcântara e de algumas pessoas especiais que conheci por lá.

A matéria contava a história de dona Maria Rita, de 111 anos que mora em Sergipe e tinha um único e grande sonho: ter uma casa de alvenaria. Com dez filhos, cinquenta e nove netos e cinquenta e sete bisnetos, esta jovem sergipana filha de escravos fez apenas uma exigência: que sua casa tivesse banheiro dentro do espaço e não no quintal, como ocorria na casa antiga.

Ao ler essa reportagem e ver a imagem de dona Maria, lembrei de algumas figuras maravilhosamente cativantes que conheci durante o trabalho nas comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara. Muitos deles, perto da idade de dona Rita e ainda com uma vitalidade e memória incrivéis e com o mesmo problema (casas de taipa, sem banheiro ou fossa), porém com outros sonhos. Casas simples, sem infra-estrutura, muitas sem luz até, mas que nem por isso, afetavam a alegria dessas pessoas. Claro, tinham suas reclamações, mas nada apagava o vigor que se via no brilho de seus olhos.

Assim como em muitas comunidades espalhadas pelo Brasil, as de Alcântara também vivem uma realidade de muitas faltas: educação, infra-estrutura, saneamento básico, saúde e etc. Não foram poucas as pessoas com quem falamos, nem poucas as vezes em que percebemos ao chegar nas comunidades, as muitas necessidades que estas apresentavam. Faltam ações públicas e tudo mais nesses sítios quilombolas e ações que precisam ser imediatas. Além disso, deu-me tristeza ver que em muitas delas, não se dança mais tambor de crioula, não se encontra mais um terreiro de mina (religião que predomina!), muitas outras manifestações da cultura imaterial das mais de cento e duas comunidades percorridas. Ou seja, trabalho para ser feito lá tem muito!

Mais que a questão da infra-estrutura e etc., o que me chamou a atenção nessa reportagem foi a simplicidade de dona Maria, que me fez lembrar da simplicidade de um outro filho de escravo, quilombola, que sorria feliz ao me contar sua história, como sua mãe tratava os filhos, como ensinou-lhes as coisas e ao contrário do sonho de dona Maria, o dele, que também era solitário, era apenas uma dupla: saber ler e escrever e não só assinar o nome. Assim seu Joaquim lamentava e apresentava uma sabedoria de vida como poucas vezes vi. Sua fisionomia lembrava um preto velho, com sua barba branquinha e uma feição serena. Eu, embebecida por aquela figura, em minha pouquíssima experiência de vida (para não dizer nenhuma!), disse-lhe apenas que a vida tinha feito certo, pois se ele soubesse ler e escrever com aquela inteligência, sabedoria, perspicácia, não prestaria (rsrs), definitivamente não daria certo. Ele riu! Não sei se o que me encantou nele foi sua sabedoria ou simplicidade; ou sua figura emblemática...só sei que apaixonei-me!

Com certeza, é alguém que não mais esquecerei e que espero ter o prazer de tornar a ver e prosear em muitas tardes quilombolas; assim como também espero ver aquele território melhor assistido, ver as mães-de-santo não mais se esconderem, ver crianças já não mais andando léguas na beira da estrada, correndo risco de morte para estudar...assim como darei minha contribuição, ainda que pequena, com meu trabalho.

Oxalá permita!

14 comentários:

DBETO disse...

algo foi de inacreditavel naquela pesquisa, que foi, o conhecimento imaterial dessas comunidades, que deixo-me feliz e ao mesmo tempo com uma parte de uma missão inacabada que outras pessoas possam realizar os sonhos daquelas pessoas, em alcantara a experiencia foi algo incrivel e sempre estarei pronto a dar minha disponibilizaçao para esta causa.

Anônimo disse...

Também eu,amore. COm certeza uma experiência única!
Espero poder muito ainda contribuir com aquelas comunidades. Possamos nós!
cheiro

Polyana Amorim disse...

Vixe, Mila. cinquenta e quantos netos e bisnetos? ô, família que gosta de procriar. kkkkk.


eu nunca tive essa experiência, mas posso imaginar como tenha sido. eu sempre falo pra Deus e o mundo que um dos meus documentários prediletos é o 'Sobreviventes - herdeiros de Canudos'. O doc conta a história de senhores e senhoras com quase ou mais de cem anos que na época da guerra de Canudos eram crianças. É um doc lindo, eu fiquei super emocionada com a sabedoria dos depoentes, a saudade, o jeito como eles viram aquele evento, como marcou a vida deles e como eles vivem hoje, o que me faz lembrar da minha avó, lá de Alcântara, uma mulher que tinha uma história de vida liiinda e foi forte até o último dia de vida.

Anônimo disse...

Ouxe,moreco!
Eu ainda não vi esse documentário, mas imagino como deve ser lindo. Eu tive a experiência (e sorte!) de ter contato com algumas figuraças dos sítios quilombolas de Alcântara e muitas me marcaram muito. Fez-me dar sentido a mts coisas e descobrir-me em outras.
Sem dúvida inesqucível!

Dani M. disse...

Milaaaaaa, tu é muito linda e querida. Tb me emociono com essas histórias de vida. Elas mostram pra gente que as coisas simples é que nos fazem verdadeiramente felizes.
Ai ontem recebi uma notícia que me deixou muito feliz. Me contaram que tu já tá arrumando as malas pra voltar, iupiiiiiii!!!!
Que bom Milaaa,vamo matar a saudade e dançar lá no terreiro da tua casa. tem que rolar viu?
Beijo nega linda!!!

Dona Reis disse...

Linda é vc!
Sim, são coisas que marcam e fazem vc dar mais valor a coisa antes não percebidas por vc com a mesma importânica.
Moreco, pelo que tô vendo aqui, é certo mesmo que volto em um mês! Mas já morrendo de saudades de vcs!
Tomaram um chopp por mim ontem???
Cheirooooo

Dona Reis disse...

kkk...tu falando em terreiro assim vão pensar que é terreiro de candomblé...(rsrs).
Com certeza vamos sim. Meu sítio é de vcs também! E daqui há um mês quando voltar, vamos dançar e cantar muito...violão e belas vozes já temos!
Saudades,nega!

Anônimo disse...

Porque as melhores biografias não estão nos livros publicados, mas nos relatos orais de experiências de vida de gente que transmite com sabedoria um conhecimento humano, vivência, saberes.

Sentir teu entusiasmo e produção científica sobre o tema também me anima e me faz querer acompanhar e dividir teu processo criativo e tuas experiências.

Chega logo porque já temos monte de assunto.

beijos

Turismo, Cultura e Cia Ltda disse...

Adorei o texto e as tuas lembranças....eu to viajando na história lembrando como seríamos tratados se estivessemos há uns séculos.....do jeuito que sou atrevido ou estaria preso ou no tronco.rsrsrs....mas o mais provável é que eu fundasse um quilombo.
eii to pensando naquele assunto. qdo chegar em nossa ilhota me procura...
beijos!!!!!

Dona Reis disse...

Albert,
tu irias amar. Voltarias apaixonado, com certeza! Vamos sim. Vamos trocar muita coisa boa acerca do que adoramos!
Te amo!
Saudades!


Ri?
Amore, também eu já voltei muitas vezes no tempo e tentei me imaginar, com a personalidade que tenho, como seria eu! Vc seria um guerreiro!
Preocupe não...assim que voltar, te procuro.
Saudades de ti também,pequeno!
Bjosss

Dulce Miller disse...

Nossa, que história bonita esta! Já tinha ouvido falar de quilombos, mas nunca tinha lido nada como você descreveu!
Adorei, obrigada por compartilhar!

Beijos!

Dona Reis disse...

Nossa, Du! Tem muita coisa legal nessas comunidades remanescentes de quilombos. Coisas boas e ruins também, em alguns sentidos. Depois podemos conversar mais sobre os sítios em que tive contato.
Cheiro gd!

Jussara Bolsanello disse...

Ei Dona... Passeando no mundo blogueiro encontrei o seu e não podia deixar de parabenizar a vc!! Riqueza ne?? Me fez lembrar de minha avó... Faz hj dia 31 de agosto 91 anos e lucida que só vc vendo!!! Faz de tudo!! Tem saúde pra dar e vender... Ninguem acredita!! Eu so espero que essa caractistica seja hereditária!!!!rs
Vou te seguir!! Parabens e amei o blog!
Jussara

Dona Reis disse...

Oi, Jussara!
Obrigada! E bem-vinda.
Que bom que gostou. Tens sorte de ainda ter su avó por perto e bem. É uma benção mesmo.
Não se preocupe...será hereditário...rs
Eu tinha uma relação muito linda com a minha, mas já não desfruto do prazer de sua companhia em minha vida.
Acho lindo!
Gd beijo