28.10.09

Por que crescemos?!

Há alguns meses, alguém me disse: “sua comunicação é cheia de entusiasmos, emoções, sentimentos, tudo muito sincero e bonito”. Confesso que tais palavras longe de me deixarem intrigada, em virtude de porque e quem eram ditas, deixaram-me feliz. Quando ganhei este espaço virtual em 2007 de uma linda tosca, a princípio, não sabia ao certo o que escrever nele, estava acostumada ao papel. Mas depois ele tomou forma – a minha! e não mais parei. Não se trata de um blog científico, acadêmico ou como quiserem nominar, mas sim, um espaço que eu divido (e às vezes até substituo!) pelas agendas, cadernos e todos os papéis que ficam perto de mim e acabam sempre cheios de escritos, desde um texto bobo até uma crítica a algo que julguei importante no momento, enfim…não foi para falar do tipo de blog, mas sim, 'desse entusiasmo, emoções, que refletem muito do que sinto e vivencio, que ganhou forma por meio de uma cena que presenciei há quase uma semana, no território de Alcântara.

Acontecia na comunidade cujo nome significa: pedra, peixe e rio, o Festejo de Santa Teresa, padroeira da vila, e razão por eu estar a caminho dela, em pleno sábado de muito sol e de um calor quase infernal (nunca pensei que sentiria falta de um pouco de frio português…rsrs). Infelizmente não pude participar de toda a celebração, que durou duas semanas, mas pelo menos em um dia, fiz questão de estar lá e fazer parte de alguma forma da festa. Então, escolhi a véspera do dia da Santa, onde eram feitos os ajustes finais para o seguinte, que teria a procissão, o tambor de crioula, as ladainhas finais com as caixeiras e todo o ritual repetido há décadas por aquelas pessoas, que nessa época, se integram, não havendo rixas, desigualdades e sim, uma comunhão em toda a vila. E posso dizer isso com conhecimento de causa, pois vivenciei de perto. Porém, também não foi por causa da festa de Santa Teresa que escrevi esse post, mas pelo que vi antes de chegar à comunidade.

Quando se desce em Alcântara e pega-se um carro até uma determinada comunidade, passa-se
por muitas outras espalhadas pelo caminho. Até ai nada de diferente não fosse a paragem, nesse sábado, em uma delas, na beira da estrada, cujo nome não faço idéia, onde desceram mãe e filho. A casa para onde iam ficava do outro lado da pista e a criança, apressada, não esperou pela mãe que pagava a passagem, atravessando sob protestos preocupados. O menino deve ter entre 10, 11 anos e carregando uma pequena mochila nas costas, descia lentamente rumo à sua casa. Tratava-se, como em muitas residências quilombolas, de uma casa de taipa, telhado de palha, um cercado ao redor e uma cancela na entrada. Eu havia sentado do lado da janela da van, que por coincidência ficou de frente para a casa.
Não foi esse menino que me chamou a atenção e sim, uma outra criança, de aproximadamente, 5 ou 6 anos, que foi para a porta da casa, trajando calção verde, pés descalços e com um olhar ansioso. Foi esse ‘pingo de gente’ que me fez presenciar uma cena das mais belas e sinceras que já vi em toda essa minha existência.

A criança maior (creio que são irmãos!) descia devagar e o pequenino, quase em êxtase, correu até a cancela, sorrindo e ali parou, ofegante, como se pedindo permissão ao outro para continuar o caminho ao seu encontro. De repente, o menor sorriu e disparou, com os bracinhos abertos e dançantes até alcançar o irmão, que retribuiu o gesto com igual carinho. Nunca havia visto tanta alegria numa criança. Mais parecia uma cena de filme ou novela, e eu quase que escutava seu coração descompassado e feliz.
Pode parecer um relato bobo, mas aquela cena emocionou-me tanto, que não resisti a lágrimas silenciosas e quietas, na insignifcância de tudo mais em volta naquele instante, que se configurava agora inexistente, inclusive eu mesma. Talvez seja exatamente pela simplicidade e toda a carga simbólica que a cena trazia que me senti assim. Fez-me lembrar de quando fui à comunidade de São Sebastião, já na região do mearim, e conheci a pequena Geisa, que de início não queria saber de mim, mas eu, teimosa, cutuquei até que ela me permitiu a aproximação e acabou deitada em meu colo, contando entusiasmada e com a inocência que sua condição de criança lhe resvala, sobre suas bonecas e seu próximo aniversário. Fiquei toda prosa com aquela linda menina em meus braços e, principalmente, por sentir que ela e os dois irmãos de Alcântara, apesar de todas as dificuldades circundantes, são crianças felizes!
Posso dizer que só com aquela cena, ganhei o sábado!

Ps: Talvez devesse ter feito um ‘texto-síntese’ para contar essa história, mas como se trata de um espaço absolutamente livre e, sobretudo pessoal, dou-me a liberdade de extendê-lo em vários parágrafos (rs). De repente, a liberdade e até mesmo o dengo parecido com o de uma criança que passeia por vários lugares/mundos para contar, orgulhosa, que naquele dia caíra e machucara o joelho, ganhando uma tatuagem que logo sumiria com o tempo, mas que não chorara, pois era forte (rsrs)!